ARTIGO: Novos ventos agitam o rio, mas não podemos perder o barco

Por Phelipe Reis*

O caboclo passa anos se planejando para vir a Parintins (AM) a fim de prestigiar o festival folclórico e bem no dia da viagem, depois de amarrar a rede e agasalhar a mala no barco, ele inventa de dar uma entrevista a uma jornalista na beira do trapiche, contando o tanto que tinha se preparado para a tal viagem. Foi o tempo suficiente para o pávulo perder o barco que o traria de Santarém (PA) a Parintins. Oh, caboclo de sorte!

Talvez aquele paraense não tenha prestado atenção ao que diz seu conterrâneo, o escritor Leandro Tocantins: “O rio comanda a vida”. E por isso, é preciso prestar atenção nas águas, nos rios, nos barcos. Pelos rios da Amazônia, navegamos entre idas e vindas, enfrentando banzeiros e remamos entre as adversidades. Caboclo tem que ser esperto, espiar o tempo e discernir o vento, saber a hora de deixar o trapiche, subir no barco e amarrar a rede. Se não perde o barco.

Na ilha Tupinambarana, o vento norte sopra forte, fazendo banzeiro e deixando alguns atordoados na “Casa do Povo”. E isso é bom. Águas agitadas nos deixam alertas, com olhos arregalados e instintos aguçados. E como estamos precisando ficar alertas, pois não é possível nos darmos por satisfeitos quando vivemos num país em que as pessoas estão catando ossos para se alimentar, muito menos achar que está tudo bem numa cidade em que a maioria dos vereadores vota contra um projeto de lei que criaria um conselho para combater a corrupção e daria mais transparência à forma como os gestores gastam o meu e o seu dinheiro.

Na capital do folclore, temos gestores investigados por corrupção em diversos processos e uma câmara de vereadores, cuja maioria é subserviente. Enquanto um grupo político-empresarial enriquece com o dinheiro público e se perpetua no poder, construindo mansões à beira dos lagos, nas periferias os mais pobres continuam explorados num ciclo histórico de empobrecimento.

Recentemente, Parintins foi destaque no Prêmio Band Cidades Excelentes, recebendo prêmios de 1º lugar em Excelência na Gestão Pública de Infraestrutura e Mobilidade Urbana, e também em Saúde e Bem-estar. Quem conhece Parintins pode achar que se trata de uma piada de mal gosto, mas não é.

Quem conhece Parintins sabe que a cidade não possui políticas públicas efetivas de saneamento básico e que convivemos há décadas com uma lixeira que contamina a água de nossas torneiras.

Quem conhece Parintins sabe que dividimos as ruas e avenidas, especialmente na periferia, com ratos e urubus. Sem falar na ausência de projetos efetivos de urbanização, para que a população desfrute de uma cidade limpa, bonita e organizada e não apenas maquiada para três dias de festa.

Mas a Parintins que temos hoje foi construída por gerações e é resultado de escolhas, conscientes ou não, de nossos avós, pais e nossas também. É resultado do voto vendido ou trocado por uma cesta básica. É resultado do comodismo ou da aceitação de pensar que “sempre foi assim”. É resultado de uma geração que passou pelas universidades, adquiriu um senso crítico, mas depois se calou para conseguir manter um emprego na prefeitura, numa cidade onde não se faz concurso público há anos. É resultado de uma mentalidade que aceita um político que “rouba, mas faz”.

Parece que a nossa geração e as gerações passadas perderam o barco. O que tínhamos que fazer, já era para ter sido feito. O legado que sonhávamos deixar para nossos filhos e filhas já está aí nas praças e obras abandonadas. E haveremos de concordar que a cidade que estamos legando às novas gerações não é nenhum pouco decente para se “viver e amar”.

Como será o amanhã dos nossos curumins e cunhantães que nascem (ou sobrevivem) em nossos precários hospitais? Talvez já tenhamos mesmo perdido o barco e as águas da vida nos levarão daqui há alguns anos. Mas ainda nos resta uma missão: empoderar nossos curumins e cunhantães com educação, valores, criatividade e senso crítico, para que se tornem protagonistas de suas histórias, sujeitos capazes de perceberem os rios, observarem as secas e as enchentes, sabedores do momento de entrar no barco e assumir o leme da embarcação para transformarem a realidade e construírem um futuro melhor.

Gonzaguinha já deu o tom e eu faço coro: “eu fico com a pureza das respostas das crianças”. Nas bandas daqui o toadeiro poetizou o caminho: “a paz se agiganta nos olhos de uma criança”. Sim, nossos curumins e cunhantães carregam dentro de si as sementes da transformação. Nosso trabalho é regar, cuidar e deixar florescer um novo tempo, no qual os espantalhos da velha política serão expurgados e embarcarão na viagem sem volta. Vamos embarcar nessa missão ou vamos perder esse barco? Bora?!

*Phelipe Reis – Graduado em Comunicação Social/Jornalismo pela Universidade Federal do Amazonas. Contato: phelipe.comunicar@gmail.com.

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